Apesar de termos subido muitas vezes a ladeira onde fica o restaurante «The Galata House», não o descobriríamos não fora o Tiago Salazar. Por palavras e por escritos, o jornalista andarilho avisara-nos que não podíamos deixar de ir ao encontro do “turco anarquista” Mimar Mete Göktug, dono do restaurante que ocupa o edifício que foi a prisão inglesa de Istambul durante a I Guerra Mundial (1904-1919).
Em 1991, dois arquitectos – Mete e a sua mulher Nadire – compraram a prisão tendo dedicado oito anos a restaurar o lugar de má memória. Os três pisos testemunham a sua origem e percebe-se que foram mãos entendidas e sábias que desenharam a minuciosa recuperação.
Apresentámo-nos como amigos do Tiago Salazar e Mete, no português doce do Brasil, deu-nos as boas-vindas e levou-nos para uma mesa no 2º piso junto à janela. Lamentou não poder dar a atenção que dois portugueses mereciam mas sobrava trabalho porque o restaurante estava cheio.
No vai e vem do leva e traz, foi-nos contando a razão da sua atracção por Portugal e pela cultura portuguesa: um encontro no Brasil com um grupo de oposicionistas portugueses, mais precisamente um grupo de resistentes comunistas, acordara o seu interesse pelo país. Aderiu ao ideário marxista, tendo o tempo ditado a desilusão com as suas expressões práticas. Hoje, declara-se um defensor do «anarquismo científico» e procura pelo desenho, pela pintura e pela poesia situar-se no mundo.
Ama Istambul, a sua cidade, reconhecendo muitas identidades com Lisboa: a situação geográfica que proporciona uma luz especial reflectida pelos seus estuários e também a nostalgia que marca os dias das duas comunidades, o fado, o “huzun”.
Na sala onde jantámos, o piano testemunhava os interesses e as memórias dos dois arquitectos, dominando os registos de Nadire. Soubemos que são frequentes os serões em que o piano acompanha poemas ditos e cantados, alternando com conversas e debates. As vozes de Camões, Bocage e Alexandre O’Neil são presenças fortes e também os fados de Amália e de Marceneiro. Na altura, nada disto nos pareceu estranho ou insólito …
Mas passemos agora para a mesa: o menu traduz uma conjugação inesperada das culinárias do turco Mete e da caucasiana Nadire. Assim, começámos com uma selecção de “meze” (entradas turcas) que quase constituem uma refeição.
Como pratos principais acolhemos duas sugestões georgianas: “Çakapuli”, um estufado de borrego com molho de estragão e de ameixas, e “Ostri”, um goulash de carne de vaca com tomate, amêndoas, cogumelos e coentros. Para sobremesa mantivemos as mesmas coordenadas geográficas e saboreámos “Kuş Sutu”, um bolo georgiano de chocolate coberto com merengue que pintámos com chocolate derretido.
Despedimo-nos prometendo voltar e continuar uma conversa que prevemos sempre inacabada. Em silêncio, descemos a rua olhando com mais atenção os prédios neo-clássicos, marcas do antigo poder da zona. Ouvíamos os nossos passos na noite e, ao descer as extraordinárias escadas hexagonais, percebemos mais uma vez que as viagens são sobretudo feitas de encontros inesperados. Nunca imaginámos encontrar um turco e uma caucasiana que celebram a cultura portuguesa num restaurante em Istambul que foi uma prisão inglesa.
Afinal, tudo ou quase tudo é possível!
Sugerimos que, sobretudo ao fim-de-semana, marquem mesa. No site do restaurante podem encontrar a história do lugar, o menu e outras informações. Para já, registamos alguns dados:
The Galata House
Eski İngiliz Karakolu – The Old British Jail
Galata Kulesi Sok. No: 15 Karaköy – Beyoğlu – Istambul
(aberto de terça a domingo, das 12h às 24h)
Reservas: 0090 212 245 1861
Foi do site que retirámos os retratos dos donos, Mete e Nadire.
Somos um casal de brasileiros e estamos preparando nossas férias que serão em Junho na Túrquia passando antes por Lisboa.
Foi uma agradável surpresa encontrar seus comentários especialmente sobre o “RESTAURANTE NA PRISÃO” pois gostamos de locais pouco turísticos e o texto e fotos nos aguçaram a curiosidade.
Obrigada pelas DICAS.
Um abraço do Brasil ( Pernambuco-RECIFE )
Boa viagem! Depois contem como foi!
poetico seu blog, dá vontade de ler o dia todo.
Diferente de quem ve apenas com os olhos e nao com a alma.
Parabens
Já voltaram? Contem-nos…
Sem dúvida um restaurante único e temático, à semelhança de alguns restaurantes em Lisboa e Porto, contudo com uma história totalmente distinta e narrada de forma espantosa. Obrigado pelo contributo.