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Arasta Bazar

Domingo, 27 de Fevereiro, 2011

A palavra arasta significa mercado com lojas associado a uma mesquita. O Arasta Bazar é o último grande bazar descoberto que fica junto à Mesquita Azul e a Hagia Sophia e merece bem uma passeata entre as duas filas de lojas com amplas montras.
Foi construído há mais de 300 anos, ao mesmo tempo que a Mesquita Azul sendo originalmente constituído por estábulos. Durante o império otomano era um mercado onde se vendia muitos apetrechos para os cavalos. Por isso, é também conhecido por “Sipahi Çarşisi” Mercado dos Cavaleiros em turco.

O bazar tem mais de setenta lojas onde se pode encontrar roupas, sapatos, tapetes de vários tipos, bijutarias, cerâmica, jóias em ouro, prata e pedras preciosas, doces, antiguidades, tecidos, chás, etc. É um lugar onde se pode adquirir com segurança artigos autênticos e preciosos vindos da Anatólia, Síria, Cáucaso, Irão, Ásia central, Yemen … O ambiente é calmo e os comerciantes são afáveis.

Num dos topos do bazar há um grande restaurante onde à noite, entre as 20:00 e as 22:00 os derviches rodopiam.
O horário de funcionamento do Arasta Bazar é das 9:00 às 19:00, podendo fechar mais cedo durante o Inverno. Está encerrado durante o Ramadão.

Os mosaicos encontrados durante as escavações arqueológicas em 1930 comprovam que a área fazia parte do Palácio Bizantino. E é precisamente numa parte do mercado que se acede ao Museu de Mosaicos que merece bem uma visita.
De uma próxima vez, vamos ao museu.

E se tivesse ardido?

Quinta-feira, 20 de Janeiro, 2011

A estação de Haydarpaşa, que fica no lado asiático da cidade, é um sítio que não se pode perder. Mas só fomos visitá-la no último dia por pressão de um turista vienense que encontrámos durante a visita à pequena Hagia Sophia. O ambiente do lugar levara-o a fazer-se à conversa porque as impressões fortes por vezes têm de ser partilhadas. Já no exterior, falámos das experiências em Istambul e por coincidência, partíamos no mesmo dia, ao fim da tarde. Dessa troca, achámos imperdoável que ele não tivesse subido até ao café Pierre Loti (ver o post de Setembro “O café Pierre Loti”); ele considerava que partir da cidade sem visitar a estação de Haydarpaşa era igualmente imperdoável.

A manhã ainda estava a começar e, por isso, prometemos não partir sem atravessar o Bósforo e procurar a estação. E foi assim, que apanhámos um ferry e deixámos a Europa rumo à Anatólia. A aproximação progressiva ao lugar aumentava a curiosidade pelo edifício que data de 1909 e que assenta em 1100 pilares de madeira com 21 metros cada um. Quando o ferry se aproximou avaliámos os efeitos do incêndio de 28 de Novembro do ano passado devido a um descuido durante as obras de recuperação que felizmente, só danificou os telhados das duas torres e o último piso. Naquele momento não pudemos deixar de pensar: e se tivesse ardido?

A estação de Haydarpaşa é uma obra de arquitectura imponente com uma estrutura neo-clássica da autoria de Otto Ritter e Helmut Conu. À primeira vista parece um grande e pesado castelo com duas torres mas a amplidão da mancha de água do Bósforo dá-lhe equilíbrio e leveza. As paredes de pedra lavrada são iluminadas pelos reflexos da água e pela luz do céu que se reflecte nos vidros das janelas e nos vitrais.

Quis o acaso que, no aeroporto, reencontrássemos o nosso turista vienense: ele tinha subido até ao Café Pierre Loti e agradeceu efusivamente o conselho pela experiência excepcional que viveu no topo da colina dos mortos. Nós, retribuímos-lhe o agradecimento e, como se costuma dizer pelas nossas bandas: ficámos quites!

Propomos, agora, uma visita breve através das nossas fotografias a uma parte do interior da estação de Haydarpaşa. Ficamos com vontade de voltar não só para rever com mais tempo o lugar mas partir em cómodos comboios para várias cidades da Turquia e, porque não, para outras paragens do Médio Oriente.

NOTA – A imponência e localização do edifício explicam a sua escolha para a produção de um extraordinário trabalho de mapping em 3D que inaugurou, há um ano, Istambul como a Capital Europeia da Cultura. Sugerimos vivamente o seu visionamento AQUI porque usufruem de uma experiência visual fantástica.

Fomos à procura do que não existia …

Quarta-feira, 29 de Dezembro, 2010

Foi isso que aconteceu: fomos à procura do que não existia e encontrámos/não encontrámos. Antes de regressarmos a Istambul, lemos o Museu da Inocência de Pamuk. Na página 15 o Nobel da Literatura turco dá-nos todas as indicações para encontrarmos o museu, incluindo um mapa.

O Museu da Inocência (Masumiyet Muzesi) seria um lugar especial que guardaria todos os objectos recolhidos por Kemal, testemunhos da desmedida paixão por Fusun. A história, passada entre Maio de 1975 e os últimos anos do século XX, conta-se rapidamente, sem que isso retire qualquer interesse a futuros leitores: Kemal é um jovem empresário filho de uma família abastada, frequenta os meios burgueses de Istambul e está noivo de Sibel, uma turca moderna que conhece bem a Europa. Passa parte do Verão numa casa nas margens do Bósforo (yalis) e com os seus amigos partilha uma admiração pelo modo de viver europeu. Perde-se – literalmente perde-se – de amores por uma prima afastada que é empregada de balcão.

Esta paixão obsessiva leva-o a recolher objectos que Fusun tocou ou usou e que ele guarda: beatas (mais de 4 000), travessões, brincos, lenços, sapatos, bilhetes de cinema e de autocarro, copos usados por ela. Com estes objectos decide preservar a sua paixão num museu, o que o leva a visitar 1743 museus do mundo para usar a metodologia mais adequada à sua constituição.

Pegámos no mapa e fomos à procura do museu que fora instalado na última residência de Fusun, na zona asiática de Istambul:
“A casa onde a família de Fusun, os Keskins, vivia ficava na esquina da Avenida de Çukurcuma (vulgarmente conhecida por “colina de Çukurcuma”) e da vereda conhecida por “Rua Dalgiç”. Como podem ver pelo mapa, uma caminhada de dez minutos separava as ruas sinuosas e inclinadas daquela zona de Beyoglu e da Avenida Istiklal”. (p. 358).

A descrição do percurso e o mapa incluído no livro levaram-nos facilmente ao local. Passámos pelo Hamman (banhos turcos) por onde Kemal tantas vezes passou para ver Fusun.

Na esquina da Avenida Çukurcuma com a Rua Dalgiç lá estava uma casa vermelha de três pisos que se destacava de todas as outras porque era evidente ter sido recentemente restaurada. A casa parecia vazia à espera do recheio. Em lugar algum havia qualquer sinal que indicasse ser ali o espaço onde Pamuk irá preservar a cidade das últimas décadas do século XX: postais, roupa interior, chávenas e tantos outros objectos de uso diário recolhidos pelo escritor ao longo dos anos.

Nas suas palavras, “Quero que o meu museu seja o museu da cidade, que inclua tudo, desde mapas das ruas, a fechaduras, a maçanetas de portas, passando por telefones públicos e o som das sirenes de nevoeiro”. Afinal, “documentos de uma Istambul que já não existe e um olhar poético ao passado da cidade através dos olhos de um apaixonado”, “Quero encher [o museu] modestamente com as coisas que fazem a cidade, que fazem qualquer cidade”.

As 639 páginas do romance são, assim, muito mais do que a história de um amor desmesurado de um homem por uma mulher: são antes de tudo a manifestação do amor por Istambul e o desejo de preservar a memória de uma cidade, de um tempo marcado pela nostalgia, pelo huzun.

A inauguração do museu está programada para 2011, um lugar entre a ficção e a realidade, um lugar que encontrámos/não encontrámos. Temos de voltar quando o Museu da Inocência abrir e mostrar a página 626 do livro onde está um bilhete que dá direito a uma entrada individual num lugar onde parte da memória sentimental de Pamuk reside.

E as mesquitas?

Quarta-feira, 15 de Dezembro, 2010

Impossível falar de Istambul sem falar nas mesquitas. Não fazemos ideia de quantas existem na cidade, mas quando os muezin chamam para a oração, imaginamos centenas de minaretes de onde partem os apelos. Não conseguimos distinguir os sons originais dos respectivos ecos e, assim, continuamos sem saber quantas mesquitas Istambul tem. Visitámos alguns destes lugares onde os passos humanos não se ouvem porque os pés descalços sobre os tapetes não dão sinais, nem deixam pegadas.

Deixemos as mesquitas imperiais para outra altura porque a “Pequena Hagia Sofia” (Küçuk Ayasofya Camii) revelou-se um lugar particularmente especial: originalmente foi uma igreja ortodoxa – a Igreja de S. Sérgio e S. Baco – que foi transformada em mesquita durante o império otomano no século XVI. Da original construção (527-536) restam as inscrições gregas que perpetuam os nomes de Justiniano, da sua mulher Teodora e de S. Sérgio, patrono dos soldados romanos

Nesta mesquita que fica a cerca de 15 minutos da grande Mesquita Azul e de Hagia Sofia e a pouca distância do mar de Mármara o que nos impressionou foi o silêncio, a serenidade, a cor, o cruzamento de linhas e arcos e o jogo de luzes e sombras.

Pelas grades de uma janela, vislumbrámos um pequeno cemitério muçulmano. É aí que se encontra o túmulo do fundador da mesquita, Hüseyin Ağa.

Perdemo-nos na nave central a olhar o tecto e as galerias e a apreciar as luminárias e os azulejos. Mas acabámos presos por recantos, aberturas nas paredes, degraus gastos por tanto uso, pormenores dos rendilhados em pedra e até por um rosário pousado no chão.

Antes de sairmos, cumprimentámos com um breve aceno de cabeça o íman, a única pessoa presente enquanto estivemos na mesquita.

No exterior da mesquita há um pequeno jardim com uma fonte para as abluções e várias pequenas lojas. Algumas fotografias e breves comentários mostram alguns espaços e elementos da mesquita que foi outrora um dos mais importantes centros do império otomano.
A ver já a seguir.

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Cemitérios

Segunda-feira, 22 de Novembro, 2010

Confessamos que gostamos de cemitérios. Mesmo antes de serem descobertos como espaços a explorar do ponto de vista turístico, visitámos cemitérios porque são lugares onde se manifesta a cultura de um povo, onde se compreende a relação entre os vivos e os mortos e onde a arte e a natureza se misturam de uma forma muito particular.

São quatro os cemitérios que mais nos marcaram: Père-Lachaise (para muitos, o lugar mais romântico de Paris), o cemitério de Cólon em Havana (com uma monumental estatuária), o cemitério de Swokopmund  na Namíbia (onde o apartheid se mantém após a morte) e o cemitério de Eyüp em Istambul. Deixamos para um outro post a visita a este lugar. O que nos marcou em Istambul foi a forma como os vivos convivem nos cemitérios no centro da cidade. É disso que vamos falar.

Um cemitério turco é uma floresta de colunas de mármore branco de diferentes alturas. Em princípio o tamanho da coluna corresponde ao tamanho real do morto ainda que haja excepções: o estatuto social elevado pode elevar o tamanho da coluna atingindo, no caso de alguns sultões, dimensões não humanas. As colunas que terminam num turbante sinalizam um túmulo masculino; os florões estão reservados às mulheres. Das inscrições incompreensíveis gravadas no mármore só retiramos o efeito estético. Passeámos sem reservas por entre a floresta de túmulos e árvores usufruindo do efeito da mistura das formas e das cores branco e verde.

Mas há muito mais: quando há 12 anos visitámos pela primeira vez a cidade, tivemos uma experiência que nos espantou no sentido literal do termo: em pleno cemitério havia uma casa de chá com uma agradável esplanada. Sentamo-nos numa mesa entre turcos que cavaqueavam vidas (achámos nós!) e pedimos um café e um chá de menta.

Renovámos esta experiência que nos trouxe de novo o sentimento único da relação entre viver e morrer. De facto, nunca convivemos desta maneira num lugar onde, geralmente, domina apenas o silêncio e o recolhimento. Não seria preciso mais para estes cemitérios nos marcarem. Por isso, voltaremos a trazer aqui estes lugares.

A espera no Grande Bazar

Sábado, 30 de Outubro, 2010

Um gato a dormir enroscado sobre si mesmo é uma imagem serena e apaziguadora. Quem tem gatos sabe do que falamos: quietos, redondos e macios, são um convite à serenidade. A sua quietude, sublinhada pelo vaivém da respiração leve, é o sinal do seu bem-estar e do lugar em volta.

Quando entrámos no Grande Bazar esperávamos um lugar agitado, barulhento, com intensos convites à compra. Dobrada a primeira esquina, vimos o primeiro de muitos gatos a dormir confortável sob a luz de ouros cintilantes.

Guiados pela imagem do gato amarelo adormecido, percorremos o Grande Bazar durante horas. Não sabemos o que não vimos porque decidimos perder-nos naquele mercado coberto com mais de 500 anos. Passámos, de certeza, diante de dezenas e dezenas de lojas organizadas por produtos, mas o Bazar tem mais de 3000 lugares onde mais de 20 000 pessoas vendem quase tudo. Ficou quase tudo por ver!

Retivemos as cores, claro, espreitámos de vez em quando as abóbadas e fixámos alguns olhares nos azulejos, recusámos contidos convites à compra., resistimos à curiosidade de explorar as tendas. Confessámos que os nossos olhares estavam contaminados – aliás, como todos os olhares – e fixámos cenas de quietude, de espera. A ler o jornal, a organizar a mercadoria já organizada, ou simplesmente parados, os vendedores estavam à espera.

Reconhecíamos em alguns o huzun, a melancolia de que Pamuk falava sobre a cidade. Foi a procura dessa melancolia que nos guiou no bazar e que nos levou a experimentar uma tranquilidade inesperada.

Este é o verdadeiro Grande Bazar? Desconfiamos que não. Voltaremos, em Dezembro, a Istambul à procura dos muitos bazares que o Grande Bazar tem.

Um tecto de livros

Terça-feira, 14 de Setembro, 2010

Um tecto de livros esperava-nos à entrada: a instalação do átrio do Istambul Modern,  “Tecto falso” (Richard Wentworth), levava-nos a olhar aquela biblioteca de livros suspensos como se de um céu se tratasse. Preparámo-nos para tirar uma fotografia mas chamaram-nos a atenção: não era permitido!

“Os livros, repositórios da verdade, do conhecimento, e de mentiras transformam-se em pouco mais do que uma superfície permeável, sedutora e simbólica.” Este era o texto que constava na parede e que nos levou literalmente a capturar às cegas algumas fotografias aproveitando o virar de costas do vigilante.

A visita não começava da melhor maneira: soubemos no local que a exposição permanente do museu que ocupa o primeiro andar estava fechada para remodelação. Tínhamos, de certo modo, preparado aquela peregrinação à casa da arte turca do século XX, recolhendo informações sobre a colecção, designadamente a lista das dez obras preferidas do curador Levent Çalıkoğlu. Não havia nada a fazer senão racionalizar a frustração e declarar: “Temos de voltar cá”.

O tempo disponível permitiu-nos explorar com calma a exposição temporária de Sarkis onde em diferentes registos – pintura, fotografia, escultura, vídeo, instalações – o artista retomou os trabalhos apresentados em exposições que fez desde 1970 dando-lhes uma nova leitura no que designou por SITE.

Percorremos os espaços do edifício ultramoderno que resultou de uma intervenção num antigo armazém do século XIX  que fazia parte da alfandega da Organização Marítima Turca. As soluções arquitectónicas e os equipamentos tornam o espaço num dos mais agradáveis lugares de exposição de arte contemporânea que já visitámos.

Mas convém deixar claro: a luz reflectida pelo Mar de Mármara é um elemento essencial em todos os cenários do edifício incluindo o restaurante. Perdemo-nos no terraço a olhar as águas prateadas que combinavam bem com a outra margem meio encoberta pelo nevoeiro; perdemo-nos a olhar navios, ferryboats, lanchas, caíques a navegar de um lado para o outro.

À saída, percorremos as redondezas do edifício que recorda as suas origens. A mistura do antigo e  do moderno estava ali bem à vista com os minaretes da mesquita a misturar-se com a coluna vermelha que assinala o museu; uma torre antiga (de quando?) em ruínas convivia com esculturas contemporâneas pousadas na relva.

Comprámos o catálogo – excelente publicação – para trazer para casa parte da colecção que não tivemos possibilidade de ver. O último parágrafo do prefácio reflectia e interpretava as estranhas convivências do passado e do presente: “ O Palácio Topkapi, um dos mais ricos museus do mundo e o museu Istambul Modern estão situados ao lado um do outro no Bósforo, onde a Europa encontra a Ásia. Nesse sentido, a geografia artística do mundo é redefinida precisamente aqui, onde o Oriente e Ocidente se encontram”. O tecto de livros remetia de algum modo para esta ligação.

Uma visita virtual ao site do museu é altamente aconselhada para preparar o que só uma vista ao vivo pode oferecer. Ver AQUI

O café Pierre Loti

Quarta-feira, 8 de Setembro, 2010

Sobrevoar a colina de túmulos do cemitério de Eyup num teleférico pareceu-nos uma ideia excelente para chegarmos ao café Pierre Loti. Apesar da chuva miudinha e da humidade, conseguimos ver as centenas de túmulos brancos entre ciprestes que constituem o que muitos chamam a colina dos mortos. Ao longe, ia aparecendo embaciado um dos perfis inconfundíveis de Istambul.

Pierre Loti está na sala principal: fotografias, textos, gravuras, recordam a presença do escritor e viajante que encontrava neste lugar ambiente para escrever. Imaginamo-lo à janela a olhar o Corno de Ouro que tem deste lugar uma das melhores perspectivas.

A cozinha onde se faz o chá integra a sala o que faz com que as brasas do samovar ajudem a tornar o ambiente mais aconchegante. Para além de chá, água e refrigerantes, só servem sandwiches, mas quem vai ao café Pierre Loti procura outras sensações: a macieza dos tecidos dos sofás, a textura das madeiras, os reflexos nos espelhos, o vidrado dos azulejos da cozinha, a cor do cobre e do latão do samovar, a luz pálida dos candelabros, a companhia de Loti e dos seus amigos. As conversas sussurradas em turco, naquele momento e naquele espaço, pareciam a música.

Perto de uma janela com vista para o mar, folheámos o livro Constantinople; alguns parágrafos justificavam leitura partilhada: “Há no mundo lugares mais grandiosos, com vegetação mais bela e montanhas mais altas. É nos detalhes íntimos, sem dúvida, que reside o encanto único do Bósforo”

Cá fora, debaixo das árvores, mesas e cadeiras em ferro sugeriam entardeceres memoráveis. Antes de descermos a colina pelos caminhos do cemitério, olhamos para a esplêndida esplanada e prometemo-nos voltar numa Primavera.

O Hipódromo de Constantinopla

Quinta-feira, 24 de Junho, 2010

A caminho do hotel passávamos todos os dias pelo Hipódromo. A familiaridade do lugar impedia-nos de o ver, mas numa noite regressados de um passeio pelas bandas da ponte Galata, “descobrimos “o Hipódromo de Constantinopla, que hoje se chama  Sultanahmet Meydanı (Praça Sultão Ahmet).

Naquela hora estava vazio, silencioso, molhado, forrado a sépia pela luz amarela dos candeeiros. Olhámos como se fora a primeira vez o lugar que foi o centro desportivo e cultural de Constantinopla, a cidade de Constantino. Foi este imperador que transferiu o governo de Roma para Bizâncio transportando para a cidade obras provenientes de todo o mundo. A coluna da serpente, como é conhecida, veio do Templo de Apolo em Delfos, e era então rematada por uma bola dourada  suportada por três cabeças de serpente. Às cruzadas, guerras e saques só resistiu a coluna ondeada e algumas peças que se encontram no Museu Arqueológico de Istambul.

No centro da praça, ergue-se um enorme obelisco egípcio. O cume perde-se na escuridão da noite com os hieróglifos a lembrar a sua origem. Foi Teodósio, o Grande, que fez transportar nos finais do século IV o monumento em granito rosa que fazia parte do Templo de Karnak em Luxor (1500 a.C). Para registar a sua marca pessoal, Teodósio colocou o obelisco num pedestal de mármore com cenas do imperador e da sua família a apreciar as corridas..

É difícil imaginar aquele espaço original em forma de U com 100 000 espectadores que se emocionavam com as corridas de cavalos e que apoiavam as diferentes equipas: os Azuis, os Brancos, os Roxos , os Verdes … É difícil imaginar a pista de então decorada com estátuas de bronze de cavalos e de aurigas famosos. Tudo desapareceu! Mas é possível rever uma quadriga em bronze que ficava no extremo norte do Hipódromo de Constantinopla: os quatro cavalos estão na fachada da Catedral de S. Marcos. Precisamente: em Veneza.

Seguir as andanças de tantas obras saqueadas por todo o mundo daria, por certo um roteiro de viagem que só a História pode justificar.

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O Bósforo

Terça-feira, 15 de Junho, 2010

Foi através do diário2.com que soubemos que, no dia 14 de Junho, a página mais editada na Wikipedia foi Bósforo com 62 edições. Desconhecemos a causa deste interesse pelo estreito que marca o limite entre a Ásia e a Europa.

Em turco, Bósforo diz-se Bogaz que significa garganta. Ficamos, entretanto, a saber que Bósforo etimologicamente significa “passagem do boi” (de Βοῦς – boi  e πόρος – passagem) e mais uma vez é a mitologia grega que lhe associa uma narrativa. Zeus apaixonou-se por Io, sacerdotisa de Hera, e, para proteger a sua amada da fúria da sua mulher, o deus dos deuses transforma Io num boi. Apesar disso, Hera descobre tudo, persegue-a e, na sua fuga, Io atravessa a nado o estreito que liga o Mar de Mármara ao Mar Negro. A história ficou e o nome também.

Uma das experiências que dá a conhecer uma imagem única de Istambul é atravessar o Bósforo num vapur das linhas urbanas, o ferry usado pelos istambulenses nas suas constantes travessias de uma margem para outra.

Depois de termos comprado o bilhete na gare, atravessámos as zonas cobertas do vapur. São espaços confortáveis com amplas janelas para o exterior mas optámos pelo deck descoberto. O vento proyaz vindo do Mar Negro era frio de verdade, mas queríamos o contacto mais directo possível com o mar, as gaivotas e, sobretudo, com a cidade de ambos os lados.

Pamuk no seu livro Istambul – Memórias de uma cidade, no capítulo 6 Descoberta do Bósforo, recorda os passeios de barco que fazia na sua infância com Istambul desfilando à sua frente. E faz questão em esclarecer que “Esta massa de água que passa no coração da  cidade não pode em caso algum ser comparada com os canais de Amesterdão ou de Veneza, nem com os rios que sulcam Paris ou Roma: aqui há corrente, vento, profundeza, trevas”. Pelas suas palavras percebemos que a luz do Bósforo nas diferentes estações do ano transfigura a própria cidade. “O Bósforo é dotado de um espírito muito singular” .

Pamuk termina este capítulo dizendo: “A vida não pode ser assim tão má. Seja como for, afinal de contas podemos sempre ir dar um passeio para os lados do Bósforo”.