Desde o tempo das aulas de geografia que o Mar Negro nos causava estranheza e curiosidade. Aparecia ali no mapa entre a Europa, a Anatólia e o Cáucaso. Fazia um bocado de impressão aquele fechamento, aquele mar interior que se ligava por vários estreitos ao oceano Atlântico. A ligação que nos parecia mais fascinante era a que se fazia pelo Bósforo até ao Mar de Marmara a obrigar passagem por Istambul. Por isso, o cruzeiro no Bósforo até ao enclausurado mar era um projeto antigo de descoberta.
Resistimos às insistentes propostas de cruzeiros exclusivos no cais de Eminonu. Sabíamos que era o ferry usado pelos istambulenses que nos levaria numa viagem mais calma até ao avistamento do Mar Negro. E assim foi.
Subimos ao deck superior e, como sempre, deslumbramo-nos com o recorte da torre Galata, da ponte com os seus pescadores residentes, com as cúpulas das mesquitas, com os cemitérios encostas abaixo.
A viagem dura 90 minutos e faz cinco paragens para largar e apanhar passageiros: Besiktas Kanlinca, Yenikoy, Sariyere terminando em Anadolukavagi. A viagem é relaxada mas são frequentes as mudanças no deck do ferry para não perdemos nenhuma cena importante do filme da vida que acontece nas duas margens. Ali mesmo à beira da água, o Palácio Dolmabahçe, com a sua fachada de mármore denuncia as riquezas do seu interior. Fizéramos há uns anos uma visita e mais dos que os candelabros de cristal e os imensos dourados dos salões, recordámos os relógios parados nas 09:05, hora a que morreu Attaturk. Prometemos voltar.
A proximidade das margens, aproxima-nos das vidas quotidianas de turcos de todas as idades: há muitos jardins, pequenas esplanadas, ruas animadas pelos mercados de frescos … mas os nossos olhos são levados pela curiosidade em registar as “yalis”, mansões de madeira sobre a água que foram durante décadas usadas pela grande burguesia de Istambul. Muitas estão em avançado processo de degradação porque são na maior parte dos casos feitas em madeira e porque os seus donos conheceram a decadência. Ao vê-las, lembramo-nos das referências de Pamuk a estas casas com deck privado para atracar os barcos de recreio.
A viagem termina em Anadolukavagi, uma povoação piscatória que tem junto à água inúmeros restaurantes. Iniciámos a subida da colina que nos levaria até ao castelo de Yokos. Demorámos cerca de uma hora até chegar ao topo do que resta daquela que foi outrora uma fortaleza estratégica para os bizantinos, genoveses e mais tarde para os otomanos. Poderíamos ter demorado metade do tempo mas fomo-nos perdendo pelos horizontes que entrevíamos por entre as árvores, pelas hortas em volta das casas, pelas pessoas com que nos íamos cruzando.
A vista que se tem do encontro entre o Bósforo e o Mar Negro não desapontou as nossas expectativas adultas. O dia estava radioso e transparente. Ao olhar o Mar Negro veio-nos à memória alguns rios que o alimentam, o Danúbio, o Don, o Dnieper e logo uma vontade grande de os conhecer.
Mas Istambul esperava-nos. Chegamos ao pôr-do-sol com os muezin de dezenas de mesquitas a chamarem para a oração.